BLOG DE NOTÍCIAS E INFORMAÇÕES DA SERRA GERAL DE MINAS

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

O artesão de sons

(Portal Uai Notícias)

A história de Zé Coco do Riachão, o Norte Mineiro que, sem saber ler nem escrever, conquistou o mundo com seu talento e técnica na construção e execução da música caipira.

“- Meu fio, quem foi que tocou esta música?
 - Óia pai, fui eu.
 - Mas foi ocê... mesmo?
 - Foi.
 - Então toma esta viola procê, de hoje em diante não falta viola procê nunca mais.”

E não faltou. Aos 8 anos de idade, se aproveitando de um momento de distração do pai, o menino José Barbosa Santos se apossou da viola e do dom que o acompanhariam até o fim da vida. Foi o próprio Zé Coco do Riachão, quem contou esta e outras histórias no documentário Minha Viola e Eu, curta metragem realizado pelo cineasta Waldir de Pina em homenagem à trajetória do artista.

Zé Coco nasceu e viveu quase toda sua vida no Riachão, região do brejo, na divisa entre os municípios de Mirabela e Brasília de Minas, no Vale do São Francisco. Era janeiro de 1912, quando sua mãe, sofrendo complicações de parto, o prometeu aos santos da Folia de Reis. O menino nasceu pouco tempo depois, em sincronia com os foliões que passavam pela casa.

“Começava ai a história de um mestre da cultura popular brasileira que no fervor de sua fé, e no talento de suas mãos fez nascer instrumentos e canções capazes de encantar o mundo” definiu a cineasta Montes Clarense Andréa Martins, que está com um projeto de documentário inédito para a comemoração do centenário do artista.

Luthier, compositor, tocador de rabeca, viola, sanfona e pandeiro, conhecedor das afinações Rio Abaixo, Rio Acima, Meia Guitarra, Guitarra Inteira, Oitava e Avançador, Zé Coco foi sapateiro, marceneiro, fazedor de cancela, de engenho, de carro de boi, de curral de tira e ralo da ralar mandioca. Um homem matuto, típico do Sertão Norte Mineiro, com um talento surpreendente.

Em entrevista a pesquisadora Myrian Taubkin, registrada no livro Violeiros do Brasil, o próprio Zé Coco, ou José “dos Santos” Barbosa Reis, maneira como ele se apresentava, conta que aprendeu a arte e os ofícios da música sozinho.

“Eu não fiz estudo nenhum, tudo meu é de nascença. Tudo meu é de Berço. Eu aprendi a tocá, aprendi a fazê o instrumento, sem ninguém me ensiná.”
O jornalista João Edward também publicou um livro sobre o artista, nele Zé Coco explica seus primeiros contatos com a música.

“Comecei a tocá sem insino de ninguém, pruque o veio dava o instrumento mas não dava insino pruque não tinha tempo. Antonce eu se virava suzim. Ia iscutano aqueles violêro que tinha lá e aprendeno, cum coisa até que eu já tinha aquilo de sentido. Peguei fazendo imitação deles até que aprendi de vez.”

Zé coco nunca soube ler nem escrever sequer o próprio nome, ele também nunca teve acesso ao ensino formal de música, no entanto dominou a técnica de execução de muitos instrumentos, e desenvolveu uma maneira particular de tocar viola que lhe permitia executar certas peças fazendo solo e acompanhamento ao mesmo tempo.
Durante muitas décadas o artista esteve praticamente no anonimato, o reconhecimento nacional veio quando ele já estava perto dos 70 anos. Foi o também violeiro e produtor cultural Téo Azevedo que, precisando dos seus serviços como luthier, o descobriu.

A afinação com a cultura popular levou Téo a perceber a riqueza da música de Zé Coco. Foi ele quem apresentou o violeiro para o jornalista Carlos Felipe, que escreveu sobre o artista e que mais tarde, conseguiu patrocínio para os dois primeiros discos de Zé Coco, Brasil Puro de 1980 e Zé Coco do Riachão de 1981, ambos gravados e lançados pela Rodeio/WEA.

Na época, a crítica musical considerou seu primeiro disco um ícone representante da cultura popular brasileira, e os dois discos foram apontados pela crítica como os melhores daqueles dois anos.

Mais tarde ele gravou O Voo das Garças de 1987, trabalho independente lançado pela RIMA, e apareceu na coletânea Violeiros do Brasil, Gravada ao vivo no Teatro Sesc Pompéia em 1987, e lançada no ano seguinte, quando fez seu último concerto.

Dona Luiza Rodrigues, hoje com 60 anos, foi filha única de Zé Coco, e o acompanhou por toda sua carreira artística.

“Certa vez eu disse ao meu pai, mas pai, eu sou a sua filha única, e ainda por cima mulher, eu ficava preocupada de não ter competência de acompanha-lo, ele me respondeu assim, você é mulher e é uma só, mas vale por dez. Eu me lembrei disto para sempre, e nunca vou me esquecer.” - disse emocionada.

Luiza foi a única companheira de Zé Coco, que na época já estava debilitado pela idade e pelo trabalho pesado, ela viajava com ele, e o ajudava nos fechamentos de shows e contratos.

Coco morreu pobre, mas deixou como herança um patrimônio cultural inestimável e um lote de mil discos, de quando converteu seu terceiro LP, O Voo das Garças em CD. Atualmente é possível encontrar muitos trechos e músicas dos LP’s na própria internet em sites como o Youtube, mas os discos originais são raridades próprias de colecionador.

Em depoimento, na abertura do Iundu Homenagem a São Pedro (Voo das garças, 1987) ele diz “Eu comecei a tocar com 8 ano de idade, nunca faiei um ano até o dia de hoje. Nunca faiei e nem faio; Eu posso acabá com tudo, mas de tocá rebeca na folia, não paro nunca, nunca”. Parou em 13 de setembro de 1998, aos 86 anos, quando sofreu um acidente vascular cerebral.

Nenhum comentário:

Postar um comentário